segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

É no ínicio da Elias Zahran que eu termino

É no início da Elias Zahran que eu termino,
bem ali aonde as cruzes e as imagens acabam sendo aceitas...

Mas, enquanto não findo,
a avenida de minha vida é de ensino e aprendizado em direção ao centro:
na praça Ari Coelho entendo que para sobreviver é preciso brigar muito
estar sempre apressado,
e buzinar o quanto possível;
na praça do Rádio Clube explico que a vida deve ser vivida com música,
em harmonia com a natureza,
com o próximo e consigo mesmo.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Nas tardezinhas do Parque das Nações Indígenas
o sol cai no meio do Lago.
Quem nunca presenciou este evento maravilhoso
Não sabe o que é ser majestoso
E da vida tem um conhecimento muito vago.
Cada vez mais os apreciadores do pôr-do-sol são raros...
O dia-a-dia de muitos não permite a proeza
de contemplar o que de belo tem a Natureza
e por isso estão ficando loucos.
Gente estressada, mal-humorada, sem graça
e insuportável.
Só pensam no dinheiro e mais nada.
São indignas dos espetáculos favoráveis
merecem apenas a fúria da Mãe que menosprezam...
Já eu, eu fico aqui sentado,
apreciando as sutilezas
deste astro invejado.
E quando a Lua chega,
com as estrelas ao seu lado,
eu apenas agradeço,
ao que de graça me foi dado...
Glauber da Rocha

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Zé Carlos e a Literatura

Elias, o grande – não o da Bíblia, mas o daqui da minha cidade – achou engraçado quando soube que o namorado de uma de suas netas queria ser escritor. Ele, também, desejou isso, na inocência de sua juventude. Mas só foi ver como era a vida dos escritores – escritor, jornalista, radialista, professor e vereador são tudo a mesma coisa, desculpe falar – bem, só foi ver como era a vida dos escritores que pegou os seus dois romances, um livros de contos, um de poesia e tocou fogo.
– Tocou fogo, Elias?
– Toquei.
– Por que?
– Por que, por que... Você sabe que o fogo e o divino estão muito próximos, não sabe?
– Sei.
– Pois então. Foi uma forma de exorcizar. De não sair perdendo. De esquecer os dez anos de erro. De tudo o que deixei de fazer, de ganhar, de viver por um troço que não trás felicidade a ninguém.
– Tem escritores que são felizes, Elias.
– Quem?
– Sei lá. Algum.
– Não conheço...
Eu também não conheço. Está aí uma coisa que eu nunca vi: um escritor feliz. São realizados, mas felizes, muito difícil. Para ser feliz com a Literatura, só sendo um santo. E o santo é feliz por que tem Deus, mais nada. E o escritor, só tem a Literatura. Ele até pode aparecer na capa da revista dando um sorriso, passando a imagem de que é feliz com a Literatura. Vejam as fotos do Jorge Amado. Do Manoel de Barros. De todos esses que já morreram ou que estão vivos. Estão todos felizes. Mas, quem não ficaria feliz para pousar uma de escritor consagrado nessas revistas famosas? Até um sujeito despojado como eu...
Mas, voltando à estória: Elias, o grande. Hoje já é avô. Nos Domingos, a família aparece, para o almoço. E num desses Domingos, uma de suas netas trouxe o namorado, Zé Carlos. Foi, mas por insistência da namorada, porque a sua vontade mesmo era a de ficar na frente do computador, trabalhando no livro que estava escrevendo. Na primeira oportunidade que teve, Elias sentou ao lado dos dois.
– Trabalha?, perguntou ele, para Zé Carlos.
– Sim.
– Onde?
– No cartório do meu pai.
– Ouvi dizer que você é escritor...
– Sim.
– Eu, quando era jovem, era metido a escritor também.
– Vô! – disse a namorada, lhe censurando.
– Era? Interessante. A conversa começou a melhorar. Pensei que o senhor só falava de negócios...
Um consolo: se não estava em casa escrevendo, pelo menos iria falar sobre Literatura.
– Não. Na verdade, não sei. Será que eu falo só de negócios? Para um empresário, o mundo é um negócio. Se falo que viajei, quem escuta pensa que estou fazendo propaganda. E no fim das contas, estou. Querendo ou não, estou. A vida é uma droga, meu filho.
Elias é assim mesmo dentro de casa: brincalhão.
– Daí, meu filho, eu fui vendo as coisas. Vi a vida do escritor, do quanto que ele ganha. E descobri que trabalha-se muito e ganha-se pouco.
– ...
– Sem contar que aparecer na capa de revista famosa só é grandes coisas para os escritores do anonimato e para o possível comprador...
– Vô!
– Calma, minha neta, só estou conversando com o rapaz...
– Pode falar, seu Elias.
– O que eu estava falando mesmo?
– Sobre os escritores.
– Ah, sim. Não vale a pena. Agora, vou deixar vocês à vontade. Fique á vontade, meu amigo.
E saiu de perto.
– Seu avô é engraçado...
– Achou?
– Achei.

* * *

Nesta época Zé Carlos estava escrevendo um romance que falava sobre o tráfego de drogas na cidade. Foi à fundo. Entrava e saia das bocas de fumo, comprando droga e nunca usando. Jogava fora, nos terrenos baldios. Fez amizade com alguns donos de boca de fumo, com traficantes, foi ao Paraguai e voltou três vezes. Os policiais estavam no meio. Não todos, é claro. E nem a maioria, vale lembrar. Mas, estavam no meio.
Ao tempo de dois anos, Zé Carlos terminou o seu romance. Deu para alguns profissionais ler: o que ele levou dois anos para escrever não passava de jornalístico.
– Jornalístico?
– Sim.
– Não tem nada de literário?
– Tem.
– Mas?
– Não deixa de ser jornalístico.
Dois anos. Tempo para ter noivado, casado e tido um filho. Ou então, montado um negócio, prosperado, ficado quem sabe quase rico. Jornalístico! Não há nada pior para um escritor saber que o que ele escreve não é Literatura pura. Lembrou-se de Elias. Tocar fogo? Lembrou-se de Cristo: homem sábio este, não ter escrito uma linha! E lembrou-se de Sócrates, outro sábio. E lembrou-se de todas as pessoas que não liam romances, contos, e poesias mas devoravam livros de Direito, Administração, Psicologia, Marketing, Web Designe e auto-ajuda. O fogo tem uma relação muito próximo com o divino...
Não tocou fogo. Procurou as grandes editoras, foi recusado. Tentou uma na cidade mesmo. Uma editora que estava mais para gráfica do que para editora de verdade. Pagou pela edição. Fez o contrato: eles iam distribuir os livros nas livrarias, fazer propagandas, e Zé Carlo ia receber conforme as vendas. Três meses depois, a editora fechou. Todo mundo sumiu, desapareceu. Deram o calote nele e em mais outros escritores. Foi às livrarias, tentar recolher o que era seu. Não conseguiu, porque não tinha a nota.
– Mas quem escreveu essa porcaria de livro fui eu!
– Eu sei. Mas você precisa provar que o direito da venda é sua. Vai atrás do dono da editora e pegue com ele o contrato que fizemos.
– Mas, como que vou atrás dele, se ele desapareceu do mapa?
– Aí eu não posso fazer nada, Zé.
Zé, Zé, Zé: Elias tem razão. Resolveu nunca mais escrever, a não ser no Inferno. Meses depois, a polícia apareceu na porta do cartório do seu pai. Foi um escândalo! Seu João, desesperado e com as mãos na cabeça, pediu pelo amor de Deus, policiais, saiam da frente do meu cartório, isso pega mal, vocês querem me ver aonde, na sarjeta? É isso? Saiam daqui, eu sou honesto!
– Calma, senhor. Estamos atrás de José Carlos de Almeida. É você?
– Não.
– Conhece?
– Conheço.
– O que ele é seu?
– Filho.
– Ele se encontra?
– Sim.
– Pode chamá-lo?
Chamou José. Ao contrário dos tempos antigos, José não foi jogado para dentro do camburão: foi no banco da frente. Também, não foi tratado com indiferença: o que estava na direção foi conversando com ele. Na delegacia, o delegado não lhe deu uma surra, nem o torturou. Os tempos são outros. Mas, os procedimentos eram os mesmos: que ele confessasse...
– Confessar o quê?
– Que você faz parte do grupo do Mauro.
– Não sei de quem você está falando.
– Foi você quem matou o Julio, o Alves, e o Silveirinha.
– Quem são esses?
– Vai dizer que não sabe quem são?
– Se o senhor me falar, talvez sim.
– Você viu como ele é cínico, Joarez? – disse o delegado para o amigo policial.
– Esse sujeito merece uma surra, delegado. Traficante acagüete, caluniador da polícia, um sujeito desse merece ser atropelado.
– Atropelado?
Foi uma semana e meia para convencê-los que não era nada daquilo. Saiu da cadeia, voltou para casa. Teve vontade de escrever sobre isso. Por pouco não cedeu, diante do erro. Viver é preciso, escrever não. Foi até à namorada, neta do Elias, o grande, pedi-la em casamento. Aproveitou a ocasião e esboçou um projeto com o avô dela. Era uma empresa de fest food, que iria acabar com o Bob’s e o MacDonald’s. Elias, o grandíssimo, o maior, o empresário dos empresário, disse que ia pensar na idéia. Semanas depois, Zé Carlos casou. Um ano após, teve um filho. Hoje trabalha para Elias. Sempre que pode, fala do projeto. Mas Elias sabe que, para Zé Carlos realizá-lo, necessário é dizer para ele que não...
Glauber da Rocha.

Na praça Ari Coelho . Na praça Ari Coelho também sou um velho jogador de damas que perde, vence, ri e debocha... Como é prazeroso esquecer a...