sábado, 23 de abril de 2011

Na praça Ari Coelho.

Na praça Ari Coelho
também sou um velho jogador de damas
que perde, vence, ri e debocha...

Como é prazeroso esquecer a vida
em cima de um tabuleiro
durante a partida!

Nada de conflitos existenciais,
nada de filosofias,
nada de questões éticas ou morais:
só a partida,
a tática da partida,
e nada mais...

Que importa o problema do ser?
Se a essência precede ou não a existência?
Que importa a teoria do conhecimento?
Se o realismo objetivo é o que mais convence?
Que importância tem a questão Deus?
Se Ele existe ou não; e existindo, como ele é?,
como devo agir, como devo ser?

Na praça Ari Coelho
junto com outros jogadores
não sou filósofo,
não sou poeta,
não sou professor nem nada:
apenas jogo.

Lá ninguém me escuta falar de Sócrates,
Platão, Aristóteles, Kant, Apel ou Nietzsche.
Não falo de Proust, de Baudelaire, de Rimbaud.
Não falo sobre as teorias científicas.
Me calo diante das possíveis formas de governo,
não ensino,
não levo ninguém à reflexão!

Repito: apenas jogo,
e perco,
e ganho,
e dou risadas,
olhando para os pombos que voam para o alto.





Junto com o sol.

Depois de um dia inteiro lecionando,
eu saio da escola Vespasiano Martins,
e vejo o sol se pondo por detrás das casas.

A tarde é laranjada.

Desço a quatorze, pego a Fernando Correa
e lá adiante, novamente o sol,
se escondendo agora atrás da ponte onde o trem passava...

Enquanto os carros passam apressados ao meu lado,
eu caminho com meus passos onde já não sou mais professor,
e olho com olhos de aprendiz o grande astro,
pintando a tardezinha de nossa cidade...
A vida é amor.

Subo a rua do trilho, passo pelo camelódromo,
faço a volta,
e logo ali, na Afonso Pena,
novamente eu vejo o sol se escondendo
para além da paróquia Perpétuo Socorro,
onde a igreja faz novenas...

Sigo em frente,
atravesso o rio prosa,
entro na João Rosa Pires,
e novamente vejo o sol se pondo,
logo atrás das três grandes araras...

A tarde começa a escurecer.

Passo pela cabeça de boi,
subo a Júlio de Castilhos,
onde o sol se foi, junto com os trilhos...

Na Tamandaré, a tarde é laranja escura...

5/05/09.










O lago do amor.

No lago do amor as capivaras se banham tranquilamente.
Enquanto isto, o vento balança as árvores,
e derruba as folhas,
que caem suavemente nas águas.
Os amantes assistem.

Sentado num desses bancos, ante o cercado
que os governantes colocaram
eu penso no amor
tal como deve pensar aquele passarinho que pousa nas costas
[das capivaras e canta alegremente.

Penso no amor da mesma maneira que o vento deve pensar quando balança as árvores
derruba as folhas
e refresca as pernas das moças sentadas nos bancos junto com [seus namorados.

Eu penso, meus leitores, no amor da mesma maneira que deve pensar este lago
quando recebe em seu corpo o sol, a lua, e o céu estrelado.

E pensando, me maravilho
me sinto eterno,
e me sinto amado.
04/09/2009.























À pé

Eia, vinte e sete anos
quase trinta
quase trinta, Deus do Céu,
e nem uma moto ainda!

Eu devia ter no máximo dez anos;
meu irmão, uns oito;
a mãe demorava,
o pai certamente não vinha,
então eu falava: vamos!

Do centro da cidade de Dourados,
à nossa casa na Cohab 2,
ganhava quem chegava primeiro...

No mínimo eu era um desses heróis de filmes japoneses:
Jaspion, Giraya, Pegasus e sei lá mais o quê!
Ou então, Airton Senna da Silva contra Alan Prost.
Vencia quem chegava primeiro...

Em Campo Grande, a mesma coisa:
o vô enraivecia, a avó rezava: quem toma conta destes meninos?

Descíamos do ônibus bem ali no primeiro ponto da 26,
e até à escola Manoel Ignácio de Souza,
vencia quem chegava primeiro...

Sob os trilhos, pisoteando cascalhos
olhávamos os Exércitos e seus soldados:
– Vai ser um, mano?
– Vou nada!

Nem recruta, nem soldado, nem cabo;
vim saber depois: poeta,
escritor,
garçom revoltado,
filósofo,
professor.

Nunca podendo comprar uma moto, um carro
sempre endividado com as despesas de casa
eu andei mais do que um diabo
do que um anjo sem asa.

Ao menos pensei muito na vida
nos livros
e me tornei sensível, sensivelmente poeta...
03/08/09

As estrelas no seminário Maria Mãe da Igreja.

Nada pior do que ver as estrelas
no seminário Maria Mãe da Igreja:
lá a Filosofia encobre a vista do poeta...

Do poeta e do astrólogo.
Enquanto este último enxerga os desígnios através dos símbolos,
o poeta vê somente a beleza...

Ah, quem dera os seminaristas,
antes de serem filósofos,
fossem astrólogos...
Ou, simplesmente poetas...

Pior do que ver as estrelas no seminário Maria Mãe da Igreja
é ver a luz da cidade com olhos de filósofo:
a maioria acaba pulando o muro...






A avenida de minha vida.

É no início da Elias Zahran que eu termino,
bem ali onde as cruzes e as imagens acabam sendo aceitas...

Mas enquanto não findo,
a avenida de minha vida é de ensino e aprendizado em direção ao [centro:
no meio da Afonso Pena demonstro que a vida é um jogo,
que para sobreviver é preciso gritar,
estar sempre apressado,
buzinar muito;
enquanto que lá nos altos, no fim,
aprendo que a vida deve ser vivida com música,
em harmonia com a natureza e consigo mesmo...

A avenida de minha vida nasce e morre dentro de mim...

16/02/09






A rodoviária central de minha infância.

Do mesmo modo que não sabia que iria me tornar poeta,
eu ignorava,
na ignorância própria dos meninos de doze anos
o fato de que a rodoviária central fosse feia.

Para ser mais exato,
naquele tempo não me detinha ao aspecto do prédio
às suas escadas, guichês, bares, lanchonetes e restaurantes.
O meu olhar se detinha nos pombos,
que comiam os milhos de pipoca que eu e meu irmão jogávamos,
e que voavam sempre que se aproximavam os ônibus...

Saber onde moravam, onde se escondiam,
e como eles nunca eram atropelados,
me ocupava muito mais do que o rosto de alguma menina bonita...

Depois dos pombos, e antes, bem antes das meninas,
ali embaixo da saia da mãe
tratava de decorar o destino dos ônibus:
Um ia para o Aero Rancho
outro, para Cophavila...

Ignorava também que a rodoviária central fosse pobre,
que fosse um lugar para pobres.
Não sabia que aqueles rapazes mal vestidos,
os quais a minha mãe chamava de trombadinhas,
fossem seres humanos viciados em crack, a droga do demônio.

Não sabia que aquelas mulheres gordas ou muito magras,
com muito batom vermelho na boca, e lápis escuro no rosto,
fossem prostitutas,
mulheres da vida suja.

Eu não sabia que os pipoqueiros
que nos entregava os saquinhos de pipoca com um sorriso imenso [no rosto,
era gente com dificuldades financeira de todo tipo.

Eu só sabia dos pombos,
e por isso não achava que a rodoviária central fosse feia...

7/03/09






Nas tardezinhas do Parque das Nações Indígenas

Nas tardezinhas do Parque das Nações Indígenas
o sol cai no meio do lago.
Quem nunca presenciou este evento maravilhoso
não sabe o que é ser majestoso,
e da vida tem um conhecimento muito vago.

Cada vez mais os apreciadores do pôr-do-sol são raros...
O dia-a-dia de muitos não permite a proeza,
de contemplar o que de belo tem a Natureza,
e por isso estão ficando loucos,
estressados,
pensando apenas em dinheiro.

São indignas dos espetáculos favoráveis,
merecem apenas a fúria da Mãe que os menospreza...

Já eu,
eu fico aqui sentado
apreciando as sutilezas
deste astro invejado.

E quando a lua chega,
com as estrelas ao seu lado,
eu apenas agradeço,
ao que de graça me foi dado...

24/02/2009





















Na Paróquia Nossa Senhora da Conceição Aparecida.

Na paróquia onde o padre Luciano Scampini é pároco há mais de [trinta anos
Os fiéis batem palmas, cantam, ajoelham e rezam.

Vestida de azul,
me convida ao arrependimento,
me abre para o amor.

Ah, minha Senhora
mãe de meu Senhor
por que eu não disse sim
quando o Pai me chamou?

Por que insisto em ser um filho pródigo
que vai e volta e nunca fica?
Por que teimo tanto em me sujar na lama deste chão?

Não fossem as trevas na minha alma
seria um grande vicentino
um grande pregador.

O padre Luciano continuaria contando comigo
na liderança dos jovens
dos jovens do Senhor.

Mariza, a líder do grupo de oração,
Me veria louvando todas as terças-feiras,
dando testemunhos,
escutando a sua pregação.

Aderbal e sua esposa
não veriam outra coisa
a não ser um homem de oração.

O seu Eduardo
que com a sua guitarra dá um toque de blues
aos hinos litúrgicos,
sempre me veria, rindo, cantando.

Nossa Senhora, lá no alto dos céus,
me veria consagrando o Corpo de Seu Filho,
na Transubstanciação.

Não obstante,
eu disse não;
oh, meu Deus, eu disse não...
04/09/09

Nenhum comentário:

Na praça Ari Coelho . Na praça Ari Coelho também sou um velho jogador de damas que perde, vence, ri e debocha... Como é prazeroso esquecer a...