sábado, 24 de janeiro de 2009

Conto: O Rato.

Eu não sabia que tinha um segundo animal dentro de casa: o primeiro era o Rex, um pincher bem engraçado, domesticado; o segundo, um camundongo enorme, feio, desses que conhecem as profundezas dos esgotos, de por medo até em homens marmanjos como eu. Não, não sou medroso. Já fui. Hoje, encaro de frente as aranhas caranguejeiras, as lacraias, os escorpiões, as cobras e os morcegos. É certo que quando os vejo, sinto medo, mas, é tudo momentâneo: logo vêm aquele dever de homem da casa, o dever de não ter medo.
Vi o animal. Passou correndo no vão da parede de minha varanda, em direção à rua. Ao me ver, voltou, apavorado, e se escondeu sabe lá onde. Não tive outra vontade senão caçá-lo! Me coloquei então num estado de caçador, que nem esses que saem em safáris. Andando lentamente pela casa, pelo quintal, pisando levemente para não assustá-lo com barulho, procurei-o em tudo quanto é buraco. Logo a curiosidade da minha família manifestou-se, perguntando o que eu estava procurando. Falei que um camundongo. A minha mãe riu, com a minha ofensa.
Procurei aqui, procurei ali, procurei acolá, e, até que enfim, achei o bicho cabeludo, feio e horroroso. Havia um cabo de vassoura perto e eu peguei e matei o bandido. Foi um golpe mortal. O bicho soltou um grito, depois foi gemendo, perdendo as forças e morreu numa solenidade que nem certos humanos conseguem no ponto mais alto da vida: morreu sim, mas com classe.
Peguei no rabo da defunta (fiz questão de ver o sexo da ratazana) e saí exibindo o meu troféu. Minha irmãzinha saiu correndo de medo, apavorada, chorando, e eu disse comigo mesmo: preciso dar um jeito nessa menina, anda muito exagerada. Meu irmão sorriu, dizendo com seu sorriso: o que será que ele está sentindo nesse momento? Minha mãe, coitada, ficou morena de vergonha: aonde já se viu, limpo essa casa de noite e de dia e de madrugada e nos feriados e no frio para no fim das contas aparecer um camundongo desse tamanho? Eu quero o divórcio!
Divórcio de quem?
Coloquei o bicho no seu caixão merecido: a sacola de lixo, e levei lá na frente, na lixeira. Bati uma mão na outra, limpando-as, e disse: na casa de minha mãe não tem ratos! Engano. Dias depois, encontrei um filhotinho – que devia ser dela – sem conseguir sair da sacola de plástico dentro do lixo da cozinha, ao lado da pia. O lixo estava praticamente vazio, e ele segurava com as duas mãos no plástico para não cair. Peguei o cesto de lixo e balancei-o. O rato ficou bem assustado, arregalou os olhos e me olhou pedindo pelo amor de Deus, tio, pare com isso...
– Eu, tio? Tio uma ova!
Você vai morrer, rato safado, porque eu sou um assassino, um ateu, um transgressor da moral e dos bons costumes, e você, rato, é um roedor mais maldito do que eu, todo mundo fala mal de você, portanto, te matar vai ser um benefício para o Mundo, para a Humanidade. Mas eis que indo para cima dele, resolvi não matá-lo, era novinho de mais, uma criança, e órfão, o rato...

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