quinta-feira, 7 de maio de 2009

A Rodoviária Central de Minha Infância.

Do mesmo modo que eu não sabia que iria me tornar poeta,
eu ignorava,
na ignorância própria dos meninos de doze anos,
o fato de que a rodoviária central fosse feia.

Para ser mais exato,
naquele tempo não me detinha ao aspecto do prédio;
às suas escadas, guichês, bares, lanchonetes e restaurantes.
O meu olho se fixava nos pombos,
que comiam os milhos de pipóca que eu e meu irmão jogávamos,
e que voavam sempre que se aproximavam os ônibus...

Saber onde moravam, onde se escondiam,
e como eles nunca eram atropelados,
me ocupava muito mais que o rosto de alguma menina bonita...

Depois dos pombos, e antes, bem antes das meninas,
ali embaixo da saia da mãe
tratava de decorar o destino dos lotações:
o Jardim Noroeste ia para a casa de minhas primas,
o Parati, para casa do meu tio,
um outro ia para Iracy Coelho,
e depois deste vinha o nosso, para o Aero Rancho,
onde morávamos na casa de meu avô...

Ignorava também que a rodoviária central fosse pobre,
que fosse um lugar para pobres.
Não sabia que aqueles rapazes mal vestidos,
os quais a minha mãe chamava de trombadinhas,
fossem seres humanos viciados em crack, a droga do demônio.

Não sabia que aquelas mulheres gordas ou muito magras,
com muito batom vermelho na boca, e lápis escuro no rosto,
fossem prostitutas,
mulheres da vida.

Eu não sabia que aqueles pipoqueiros,
que nos entregavam os saquinhos de pipoca com um sorriso imenso no rosto,
era gente que tinha dificuldades financeiras de todo tipo.

Eu só sabia dos pombos,
e por isso não achava que a rodoviária central fosse feia...

Glauber da Rocha.

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